Ao meu amigo Joaquim Jorge
OPINIÃO
Eu não gosto do mar. Não gosto do surdo marulhar das ondas. Não gosto da espuma revolta formando-se em catadupas por sobre a areia. Vislumbro no azul do mar tons traiçoeiros e nervosos. Cansa-me a planura do horizonte. Às vezes, para me desculpar, digo que não sou filho de marinheiros, antes de gente que solidificou gerações na solidez da terra húmida e fértil.
Eu não gosto do mar. Mas amo uma mulher que ama o mar. E quando vejo o mar nos olhos dela, vejo o mar de outra maneira, vejo o mar através dos olhos dela. E já dei comigo a amar o mar nela.
Ao ler o mais recente livro do Joaquim Jorge, voltei a vacilar na minha relação com o mar. Num posfácio de Daniel Abrunheiro acabo de ler: “… os montes, as serras, as montanhas – são mares petrificados.” E esses mares eu amo, com toda a intensidade de quem não sabe viver sem o verde, sem os infindáveis tons de verde dos mares petrificados. Nos mares petrificados que tanto amo, reconheço o que Daniel diz: “Nos montes interiores as pedras são feitas de espelhos: o céu tem caruma, a resina neva, as veredas enchem-se de bandoleiros pobres. O bandoleiro mais pobre é o coração”.
Um livro, nascido do seio de um escritor, deixa de lhe pertencer depois de lido. A Inquietação de Barcos, do meu amigo Joaquim Jorge, que acabo de ler, é agora, também, meu. E começou por o ser através das palavras do Daniel que acabo de citar. O Joaquim Jorge, na sua admiração pelo Daniel, me perdoará.
Mas quero que saibas, Joaquim Jorge, que ao ler o teu livro, peguei no telefone e liguei para a minha mulher, para lhe ler o teu poema Astronomia – “A Terra à volta do Sol: / Movimento de translação da Terra / A Terra à volta de si própria: / Movimento de rotação da Terra / Os meus olhos à volta de Ti: / Movimento de admiração da Terra”. Do outro lado ouvi – Que bonito… E um emocionado “há tanto tempo que não me lias poesia…” É verdade, há tanto tempo que não namorava nas palavras de um poeta. Devo-te mais isso Joaquim Jorge!
E revejo-me na tua Sereia – “Quando o barco chegou da faina, Manuel, / Interroguei-te de novo. Sobre as redes / Dissestes que havia chicharros, gaiado, / Atum, polvo, freira, caramujos - / Portanto, Manuel, que não havia sereias. / Amanhã voltarei, confiante ainda.” Eu seria capaz, JJ, de voltar todos os dias na esperança das sereias.
Revi nas tuas palavras o Segredo do mundo – “A concha disse-me ao ouvido o segredo do mundo: / Aquele que habitar os olhos da Mulher / Tocará nas estrelas e na dor dos deuses.” Já me sucedeu habitar os olhos da Mulher, tocar as estrelas e a dor dos deuses. Renovaste-me a esperança…
Reconheço-me no teu Horizonte – “Se os teus olhos deixassem / Que os meus olhos visitassem / Os teus olhos verde-mar / Talvez eles lá ficassem / Ou, então, se não ficassem / Quisessem muito ficar…”
E vou usar no meu trabalho e na minha campanha pela participação cidadã o teu poema Rua. Vou ler a outros, muitas vezes, os últimos versos: “Mas ai, é tão bonito / Quando há vizinhança boa e antiga – Quando me dizem. A nossa rua / A nossa rua, amigo. Nossa”
Como vês, Joaquim Jorge, o teu livro já não é teu. É também meu. Por tudo o que nele me tocou, por tudo o que senti nele. E pela dedicatória que me deixaste na primeira página. Que me tocou e que, agora minha, quero partilhar com todos. Dizes tu:
"Ofereceste-me, certa vez, um livro de Jorge de Sousa Braga, com o título Os Pés luminosos. Foi nele que encontrei um dos mais belos poemas de sempre. Isto: “É tão difícil guardar um rio / Sobretudo quando ele corre / Dentro de nós”. Gosto de pensar que essa espécie de rio habita as gentes que valem a pena. Gosto de pensar que algumas pessoas partilham essa certeza (ou suspeita) de um rio correndo dentro de si. Gosto de pensar que um rio assim torna a vida (mais) válida e urgente. É neste rio de nós que se está bem!"
O rio que corre dentro de mim, Joaquim Jorge, é hoje em dia um rio sereno. Um rio onde se banham as almas e os corpos de muita gente. Vejo-te lá muitas vezes. E as águas do meu rio são sempre doces e envolventes para ti. Carícias de AMIGO.
Joaquim Jorge Carvalho acaba de publicar um livro de poesia intitulado “Inquietação de Barcos”. Com a chancela da Associação Fórum Metanóia e o apoio de instituições locais. Apresentado numa sessão emotiva no passado dia 22 de Março, dia da Poesia, na Casa do Povo de Ribeira de Pena. A notícia merecia ser mais longa, mas nada teria mais significado do que aquilo que em cima escrevi sobre o livro.
Eu não gosto do mar. Não gosto do surdo marulhar das ondas. Não gosto da espuma revolta formando-se em catadupas por sobre a areia. Vislumbro no azul do mar tons traiçoeiros e nervosos. Cansa-me a planura do horizonte. Às vezes, para me desculpar, digo que não sou filho de marinheiros, antes de gente que solidificou gerações na solidez da terra húmida e fértil.
Eu não gosto do mar. Mas amo uma mulher que ama o mar. E quando vejo o mar nos olhos dela, vejo o mar de outra maneira, vejo o mar através dos olhos dela. E já dei comigo a amar o mar nela.
Ao ler o mais recente livro do Joaquim Jorge, voltei a vacilar na minha relação com o mar. Num posfácio de Daniel Abrunheiro acabo de ler: “… os montes, as serras, as montanhas – são mares petrificados.” E esses mares eu amo, com toda a intensidade de quem não sabe viver sem o verde, sem os infindáveis tons de verde dos mares petrificados. Nos mares petrificados que tanto amo, reconheço o que Daniel diz: “Nos montes interiores as pedras são feitas de espelhos: o céu tem caruma, a resina neva, as veredas enchem-se de bandoleiros pobres. O bandoleiro mais pobre é o coração”.
Um livro, nascido do seio de um escritor, deixa de lhe pertencer depois de lido. A Inquietação de Barcos, do meu amigo Joaquim Jorge, que acabo de ler, é agora, também, meu. E começou por o ser através das palavras do Daniel que acabo de citar. O Joaquim Jorge, na sua admiração pelo Daniel, me perdoará.
Mas quero que saibas, Joaquim Jorge, que ao ler o teu livro, peguei no telefone e liguei para a minha mulher, para lhe ler o teu poema Astronomia – “A Terra à volta do Sol: / Movimento de translação da Terra / A Terra à volta de si própria: / Movimento de rotação da Terra / Os meus olhos à volta de Ti: / Movimento de admiração da Terra”. Do outro lado ouvi – Que bonito… E um emocionado “há tanto tempo que não me lias poesia…” É verdade, há tanto tempo que não namorava nas palavras de um poeta. Devo-te mais isso Joaquim Jorge!
E revejo-me na tua Sereia – “Quando o barco chegou da faina, Manuel, / Interroguei-te de novo. Sobre as redes / Dissestes que havia chicharros, gaiado, / Atum, polvo, freira, caramujos - / Portanto, Manuel, que não havia sereias. / Amanhã voltarei, confiante ainda.” Eu seria capaz, JJ, de voltar todos os dias na esperança das sereias.
Revi nas tuas palavras o Segredo do mundo – “A concha disse-me ao ouvido o segredo do mundo: / Aquele que habitar os olhos da Mulher / Tocará nas estrelas e na dor dos deuses.” Já me sucedeu habitar os olhos da Mulher, tocar as estrelas e a dor dos deuses. Renovaste-me a esperança…
Reconheço-me no teu Horizonte – “Se os teus olhos deixassem / Que os meus olhos visitassem / Os teus olhos verde-mar / Talvez eles lá ficassem / Ou, então, se não ficassem / Quisessem muito ficar…”
E vou usar no meu trabalho e na minha campanha pela participação cidadã o teu poema Rua. Vou ler a outros, muitas vezes, os últimos versos: “Mas ai, é tão bonito / Quando há vizinhança boa e antiga – Quando me dizem. A nossa rua / A nossa rua, amigo. Nossa”
Como vês, Joaquim Jorge, o teu livro já não é teu. É também meu. Por tudo o que nele me tocou, por tudo o que senti nele. E pela dedicatória que me deixaste na primeira página. Que me tocou e que, agora minha, quero partilhar com todos. Dizes tu:
"Ofereceste-me, certa vez, um livro de Jorge de Sousa Braga, com o título Os Pés luminosos. Foi nele que encontrei um dos mais belos poemas de sempre. Isto: “É tão difícil guardar um rio / Sobretudo quando ele corre / Dentro de nós”. Gosto de pensar que essa espécie de rio habita as gentes que valem a pena. Gosto de pensar que algumas pessoas partilham essa certeza (ou suspeita) de um rio correndo dentro de si. Gosto de pensar que um rio assim torna a vida (mais) válida e urgente. É neste rio de nós que se está bem!"
O rio que corre dentro de mim, Joaquim Jorge, é hoje em dia um rio sereno. Um rio onde se banham as almas e os corpos de muita gente. Vejo-te lá muitas vezes. E as águas do meu rio são sempre doces e envolventes para ti. Carícias de AMIGO.
Joaquim Jorge Carvalho acaba de publicar um livro de poesia intitulado “Inquietação de Barcos”. Com a chancela da Associação Fórum Metanóia e o apoio de instituições locais. Apresentado numa sessão emotiva no passado dia 22 de Março, dia da Poesia, na Casa do Povo de Ribeira de Pena. A notícia merecia ser mais longa, mas nada teria mais significado do que aquilo que em cima escrevi sobre o livro.
7 Comments:
Eu e a Odete lemos, em conjunto, o teu belíssimo (e generoso) texto. Para além da qualidade (habitual)da tua escrita, há esse poder encantatório do teu olhar sobre as coisas. A Cultura com Coração!
Voltarei a este assunto, Amigo! Abraço (com admiração dentro) do Quim Jorge e da Odete
Soube, há instantes, da existência do blog e da existência da Inquietação dos Barcos.
Fui ver... Era o Quim Jorge!
Durante dois anos tive o prazer de trabalhar em Arco de Baúlhe. Nesse escasso tempo conheci gente que guardo com muito carinho. Entre essas pessoas está o Quim Jorge.
Sempre admirei a forma de ser, de estar, de pensar, de falar (ainda posso acrescentar o cantar e o jogar futebol...)...
Ler estes excertos leva-me de volta para a nossa sala dos professores. Para os nossos intervalos. Para te ouvir!
Publicar o que pensas e o que sentes não é senão uma obrigação! Uma obrigação para com os que te conhecem, que assim te reencontram. Uma obrigação para com os que não te conhecem, que assim usufruem do mesmo direito a ti.
Um abraço vianense :)
Hoje foi mais um dia muito importante em tantas escolas deste país.
O início do fim de mais um ano lectivo. Sim, o início do fim. Hoje em dia, desesperamos pelo fim do ano lectivo.
Esta seria a forma pessimista de ver a questão.
Apesar da melancolia que deixei um dia guardada na imensidão do meu amigo Mar, hoje, na brisa oceânica, amiga de longa data do anticiclone dos Açores, lá voltei a encontrá-la. Melancolia essa que, tal como a espuma das ondas, se desfaz em pequenos retalhos, todos eles que um dia foram uno e mesmo assim nos simplificam o tempo verbal de um ano lectivo que é, para mim, inesquecível.
O Mar, que é o brilho do futuro imenso nos olhos dos nossos alunos. A areia, que é tom macio com que a D. Rosa nos serve o pequeno-almoço. A brisa, que baila ao sabor da nossa vontade de fazer muito e melhor. A tempestade, que é a azáfama dos intervalos, sempre a correr de um lado para o outro, diz que sim a este aluno, porquê "stor", na aula explico-te, não chegues atrasado outra vez, até porque a seguir vem...
A Bonança, é a consciência de um dia que valeu a pena, vale sempre a pena, ser professor é um privilégio e não está ao alcance de qualquer um.
Até porque Há Mar e Mar, Há ir e voltar...
E eu quero voltar.
E eu volto todos os dias a essa escola, onde revejo o sofrimento do desgraçado do teclado rendido à fúria da criação do Quim Jorge. Certamente esse sofrimento não foi em vão. Foi ao sabor de uma maré-viva de emoções, certamente uma inquietação de emoções que largaram de um qualquer porto de abrigo à procura do Mar sem fim.
Sim.
O Mar sem fim é nosso.
É daqueles que conhecem o verdadeiro sentido da Amizade...
Grande abraço ao JJ
E um sincero obrigado ao Francisco Botelho por partilhar connosco o Mar.
Quero, antes de mais, agradecer a Francisco Botelho, que não conheço, mas que desde já aprecio, por me desvendar um pouco de "Inquietações de Barcos".
Acredito que Joaquim Jorge nos ofereceu um novo tesouro. Um tesouro de metáforas, de palavras...
DE FASCÍNIO!
Do que nos foi revelado, desse tesouro, gostava de Te dizer que adorei conhecer o Segredo do Mundo...
Beijinho grande para ti, Quim Jorge, que muito admiro.
A “Inquietação dos barcos” é uma navegação que tinha acompanhado desde o “Zarco à Vela”. Na apresentação: o livro, a pessoa e o encontro com o amigo Quim Jorge. Outros encontros também de quem na literatura, e nos montes, já há muito não via (professor Amadeu, Francisco Botelho – aqui neste blog, tirando Ribeira de Pena do interior).
Tenho do professor Quim Jorge, uma cumplicidade. Meço a palavra escrita e o que ela implica. De alguma forma, a literatura é o nosso cúmplice crime, e foi ao longo dos anos, desde que nos conhecemos e das vezes que nos encontramos, o nosso falatório essencial(1), também os nossos textos partilhados. Assim falamos pouco de nós, mas, creio, sabemos, nas linhas, muito um do outro. A literatura é uma espécie de rotunda que nos dá acesso às ramificações do eu (ao tu, neste caso). Rotunda viciosa.
Descubro sempre com encanto e admiração o professor Quim Jorge. Muitas vezes, sigo-o pelas estantes das livrarias a procurar um novo livro seu. Quando o encontro, sabem como é, o livro deixa de ser livro, passa a ser clarividência. Passa a ser nosso. (Como a rua “A nossa rua, amigo. Nossa” (2)). E partilho-o com loucura e o orgulho de quem gosta. Muito. Outras vezes, procuro um livro ou uma pessoa que ele me tenha falado. Encetamos a pesquisa das terceiras pessoas(3) porque encontraremos a mesma iluminação que vimos na 1ª pessoa. Rotunda viciada.
O professor Quim Jorge escreveu um dos livros mais iluminados, comoventes e abundantes que li até hoje, “A Depressão das Laranjas” (4). Por isto, e por outras tantas coisas que só uma ternura, também abundante, descreve, ficam estas palavras roubadas a ele, para ele:
“O gesto essencial da chuva é cumprir-se: chove, é.
Sem este gesto, árida seria a terra e impossível a vida nesse palco morto
Há um advérbio de tempo para emigrantes desencontrados, à procura de si próprios; é «quando».
Quando a chuva que são?” (5)
(1) Ler “Esssencial” na pág. 37 da “Depressão das Laranjas”.
(2) Ler “Rua”, na pág. 40, da “Inquietação dos barcos”
(3) Com muito prazer, Daniel Abrunheiro
(4) Sim, Daniel, o meu livro também brilha no escuro. Juro. E brilha dentro mim.
(5) Ler repetidamente, repetidamente, repetidamente este poema na pág. 71 da “Depressão das Laranjas”.
A vida é feita de encontros e de desencontros. Por vezes, são mais os desencontros do que as oportunidades de encontrar aqueles que estimamos e que nos marcaram em certos momentos dessa vida, para toda a vida.E por vezes a garganta torna-se lume, os olhos mar e um sorriso nostáligico floresce nos nossos lábios. Há quem chame saudae a este fenómeno. E é saudade. Das conversas, da partilha, da amizade.Quero mandar um grande beijo ao Quim Jorge e ao "senhor" Botelho a quem muito admiro e muito devo.
A admiraçao que possuo pelo Professor Quim Jorge, outrora meu mestre na escola, agora como amigo, fazem com que eu fique bastante contente por o ter pela minha terra, nao so pela pessoa magnifica que é mas tambem pela riqueza que esta humilde terra ganha tendo-o o por cá.
Possuo na minha biblioteca os 2 ultimos livros lançados por ele, e posso mesmo dizer que foram os ultimos 2 livros que li por prazer de ler, os outros eram de estudo.( Nem a saga de Down Brown e todo o seu sucesso me fez le-la primeiro que os do meu amigo JJC.)
Portando e sendo assim so posso dar os parabens ao meu amigo Joaquim Jorge, ficando a torcer como no ditado popular " Nao ha duas sem três" que venha a terceira obra pra minha biblioteca... Um grande Abraço do amigo Vasques
P.S. Parabens ao srº BOtelho por esta Iniciativa no seu Blog. cumprimentos Penatos
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