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Localização: Ribeira de Pena, Portugal

Ribeirapenense por opção e devoção. Cidadão activo e participante na área da cultura e do desenvolvimento. Com opinião e ainda com uma réstea de esperança.

18 dezembro 2007

Montaria há 42 anos

O anúncio da Montaria que publicámos no Blog suscitou o interesse de um leitor, natural de Ribeira de Pena, que nos fez chegar a notícia que a seguir publicamos. Saiu na revista FLAMA em 23 de Abril de 1965 e descreve uma montaria no nosso concelho. O texto é descritivo e muito elucidativo. As fotos remetem-nos para o passado. Aqui fica a transcrição da notícia, para satisfazer a curiosidade dos leitores. E o nosso agradecimento ao João Pessoa, nosso conterrâneo…

FLAMA, 23 de Abril de 1965

Os nossos repórteres numa batida ao javali nas serranias de Trás-os-Montes

Texto de Manuel Vieira
Fotos de J. Correia


Os javalis andavam fazendo estragos. Ao coberto da noite desciam aos terrenos de plantio mais chegados à serra e devastavam as culturas. O povo de Ribeira de Pena, vila bonita nascida entre montanhas, estava alarmado. “Destroem tudo”. “A terra fica focada que até parece ter lá andado um tractor”. “Devoram as batatas e revolvem a terra semeada”.
As pegadas dos javardos eram visíveis nos trilhos que conduzem ao rio Tâmega, que corre lá em baixo no fundo do vale. Os pinheiros, a meio metro do chão, apresentavam sulcos na casca. È neles que os porcos costumam aguçar as suas perigosas presas, mantendo-as afiadas como navalhas.
Bicho danado. Era preciso dar-lhes caça. Nunca se tinha feito uma batida. Os javalis eram mortos, raramente, por caçadores que andavam aos coelhos. Mas agora não. A batida iria realizar-se e a sério. Autêntica montaria.
A notícia despertou atenções. De Lisboa, Évora, Porto e de Vila Real partiram caçadores que se juntaram aos atiradores da região. Mais de cinquenta espingardas. Em cada mente um desejo: abater um javali. A antevisão do troféu animava a equipa.


A Batida

Depois de sorteadas as portas e distribuída a merenda, “jeeps” e camionetas transportaram os caçadores, serra acima, até aos seus postos. Iam-se tomando posições. Colocado o último atirador deu-se começo à batida. Um foguete foi a ordem de marcha para os batedores, mais de 300, que se encontravam a sete quilómetros da linha de caçadores. Homens e cães lançaram-se no rasto dos javalis. Eram 11 horas. Os minutos passavam. Mato adentro os batedores avançavam lentamente, que o terreno acidentado e de espesso matagal dificultava a marcha.
Nas portas os atiradores fixavam as corgas da serra por onde o bicho acossado poderia surgir. Olhares atentos varriam a mata à sua frente. Escutavam-se os menores ruídos das moitas e silvados.
Acompanhados por guardas florestais (portadores de emissores de rádio que os mantinham em contacto entre si e ainda com um outro posto situado na linha), os batedores vasculhavam o monte palmo a palmo, gritando e deitando bombas para espantar as feras.
A emoção aumentava entre os da espera. Havia porcos na mata. Todos o sabiam. Mas onde iriam aparecer? Onde os conduziria a fuga? Era preciso ter boa pontaria e calma no disparo. Que javali não é caça vulgar. Vende cara a vida. Não receia a vida e quando encurralado ou mal ferido é bicho a temer. Castanhola os dentes, eriça as cerdas negras e adquire um rictus de maldade e perfídia. Os cães bem conhecem a sua sanha. Muitos têm encontrado a morte nos colmilhos dos javardos, o animal mais perigoso da nossa fauna cinegética que, embora temendo o homem, não hesita em o atacar como derradeiro recurso de sobrevivência.
Os caçadores esquadrinham o terreno que se divisa das suas portas. São todos atenção. Nunca se sabe como o javali aparece. Pode vir a trote, escarpa abaixo, e entrar de frente na linha ou surgir cauteloso, ladeando o campo de focinho no ar e ouvido bem alerta. No javardo, o ouvido e o olfacto, apuradíssimos, substituem a vista deficiente. É hábil a esgueirar-se, mesmo na fuga, o porco bravo preocupa-se em não deixar pista. Cruza as suas próprias pegadas e se encontra rio ou ribeiro lança-se à água. É perfeito estratega na retirada.
As horas passam. Já não podiam andar longe. Pela rádio veio a notícia: Levantaram recos! Uma porca com três bácoros e dois machos. Estavam no tojo perto das fragas. Vão em direcção à linha!
A tensão aumenta. Os dedos colam-se aos gatilhos e os canos, mais firmes, visam a mata. O silêncio permanece. A espera continua.


Tiros: javali abatido

Ouve-se um tiro. Logo outro. Depois mais nada. A interrogação percorre os caçadores: terá sido abatido? Quem o terá morto?
Haviam sido vistos seis porcos. Dois tiros eram pouco. Ali andava bicho. Pois que viesse!
Nada. Desesperante a passividade. O cansaço sobrepunha-se ao nervosismo. A batida já durava muitas horas.
Os batedores aproximavam-se da linha. Apercebiam-se as suas vozes. A primeira batida terminara.
Pela estrada, à nossa esquerda, aparece o primeiro grupo de caçadores e batedores. Estes, transportam sobre varas um belo exemplar de javali. Afinal mataram-no. Onde foi? Na porta 15. Nós estávamos na 20. Por pouco… Quem foi? O herói, Raul Menedez, vem sorridente. A proeza é felicitada. Conte, conte lá como foi…
“Ouvi-o à distância. Os cascos faziam rolar o cascalho pela encosta. Depois ele surgiu avançando em direcção ao local onde me encontrava. Não é visão vulgar. Torceu um pouco, ficou a tiro e eu disparei. A carga de zagalote obrigou-o a ajoelhar. Coisa rápida. Ergueu-se e prosseguiu na corrida. Disparei o segundo cartucho. Acertou em cheio. Rolou que parecia um coelho indo parar ao fundo da ravina.” A caravana engrossava à medida que o grupo se acercava do local combinado para a reunião.


Descanso e merenda

Todos queriam ver o reco. A curiosidade dos populares suscitava comentários: “Este já não destrói mais sementeiras”. “Eh, bicho feio, que dentes tem!”. “É porco p’ra quatro arrobas”.
Era um mar de gente. Os batedores comiam a merenda e faziam honras a uma pipa de vinho. Falavam dos porcos avistados que se haviam escapado ao tiro e lamentavam o cão. Um cão estava ferido. Lutara com um javali. “Esse porco tem de morrer, é velho e sabido, abriu o peito ao cão e cão como aquele não há!” A opinião era geral: “cão como aquele não há”. Fomos vê-lo. Não era muito grande. Coelheiro, manso, cor de fogo, a quem já faltava um olho. No peito o sangue coalhado contornava ferida grande. Ele, coxeando, abanava a cauda, como que resignado, “pensando” serem os ossos do ofício. Era a terceira vez que tal acontecia. Da última o veterinário tinha feito o milagre.
A cicatriz, ainda visível, indicava a extensão do anterior ferimento. Contam-nos o caso: “Levantando porco não o larga e salta a mordê-lo. Um javali para lhe fugir atirou-se ao rio e ele, zás lança-se à água. Atrás dele. Mas na outra margem o reco atacou e abriu-lhe a barriga. Ficou com as tripas à mostra.
Já a mãe deste cão foi morta por um javali. Cão como este não há”.
Os caçadores retomaram os seus postos. Havia uma segunda batida, esta muito curta, do Tâmega para riba.
Sem resultado. Levantou um javardo mas fugiu. A noite descia do alto das serras. Impunha-se o regresso.
Foi pena só terem abatido um porco. Foram sete os avistados. Sete e três raposas. Escaparam.

Confraternização em Ribeira de Pena
No Grémio da Lavoura de Ribeira de Pena reuniram-se os caçadores em jantar regional. Todos bem dispostos. Contavam-se histórias de caçadas. Raul Menendez teve de repetir como matara o porco. Muito simples, quase tímido, o caçador agradecia os cumprimentos.
As senhoras deram à reunião um apontamento de elegância a contrastar com os trajes próprios dos caçadores.
Findo o jantar o javali foi leiloado. Para o caçador quer o matou ficava a cabeça, um belo troféu. O leilão despertou interesse. As paradas sucederam-se. Alfredo Pinto Coelho de Mendonça, presidente da Câmara de Mondim de Basto, arrematou-o. Custo: 1.150 escudos.
Estava terminada a montaria. Os caçadores despediram-se. Para alguns, naquela noite, ainda havia a cumprir muitos quilómetros de estrada.
Os organizadores da batida ficaram de parabéns. Todos prometeram voltar na próxima caçada.
Ribeira de Pena e a sua gente acolhedora já fazem parte das boas recordações.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabens pelo relato da montaria.
Ai que saudades desse tempo de caça.
Todos os novos gestores de zonas de caça se deviam rever nesta maneira de ver caça.

29/1/09 23:45  

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